segunda-feira, 12 de maio de 2008

Vocação

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
DISCURSO DO SANTO PADREAOS ASPIRANTES AO SACERDÓCIO E SEUS FORMADORES
Porto Alegre, 5 de Julho de 1980
Caríssimos Filhos,
2. para vocês minha primeira mensagem, caríssimos jovens, que guardam no coração como poderoso impulso o segredo do chamamento particular que Cristo lhes dirige. Tenham sempre consciência da predileção que esta iniciativa do Mestre divino significa: toda vocação faz parte de um desígnio divino muito amplo, em que cada um dos chamados tem grande importância. O próprio Cristo, Verbo de Deus, o “Chamado” por excelência, “não se arrogou por Si a honra de se tornar sumo sacerdote, mas recebeu-a d’Aquele que lhe disse: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei"(Sal 2,7); e em outra passagem, igualmente diz: "Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec (Sal 110,4)". (Hb 5,5)”
A vocação é, pois, um mistério que o homem acolhe e vive no mais íntimo do seu ser. Dom e graça, ela depende da soberana liberdade do poder divino e, na sua realidade plena, foge à nossa compreensão. Não temos explicações a exigir ao Doador de todos os bens - “por que me fizestes assim?”(cf. Rm 9,20) - pois Aquele que chama é também “Aquele que é”(cf. Ex 3,14).
De resto, a vocação de cada um se funde até certo ponto, com o seu próprio ser: pode-se dizer que vocação e pessoa tornam-se uma coisa só. Isto significa que na iniciativa criadora de Deus entra um particular ato de amor para com os chamados, não apenas à Salvação, mas ao ministério da Salvação. Por isso, desde a eternidade, desde quando começamos a existir nos desígnios do Criador e Ele nos quis criaturas, também nos quis chamados, predispondo em nós os dons e as condições para a resposta pessoal, consciente e oportuna ao apelo de Cristo ou da Igreja. Deus que nos ama, que é Amor, é também “Aquele que chama”(cf. Rm 9,11).
Por isso, diante de uma vocação adoramos o mistério, respondemos com amor à iniciativa de amor, dizemos sim ao apelo.
3. No entanto, vocês sabem bem que na origem de toda vocação está sempre Jesus Cristo, suprema encarnação do Amor de Deus; no amor de Cristo, a vocação encontra o seu porquê. Ele mesmo o explicou: “Não fostes vós que me escolhestes a Mim; fui Eu que vos escolhi e vos constitui, para irdes e produzirdes frutos...”(Jo 15,16). Deixem-me repetir como dito só para vocês o que escrevi há pouco: “Eu, o Papa, sou o humilde e apaixonado servidor daquele mesmo amor pelo qual era movido Cristo, quando chamava os discípulos para o Seu seguimento” (João Paulo II II, Discurso sobre o Dia de Reflexão sobre as Vocações, 4, 19 de abril de 1980).
No fundo quem nos chama é o Pai (Jo 15,1), o agricultor e nos atrai Aquele que Ele enviou. Seu chamado (cf. Jo 6,44). prolonga em nós a obra de amor começada na criação. Mas é sempre Cristo - diretamente ou pelo seu “sacramento universal da Salvação” que é a Igreja - quem torna perceptível o chamamento divino para um trabalho que é colaboração pessoal com Ele. Assim Ele fez com os primeiros Apóstolos: “Chamou a Si os que Ele quis e eles foram-se para junto d’Ele”(Mc 3,13; cf. Mc 6,7).
A resposta depende da generosidade do coração de quem é chamado, pois Aquele que chama deixa sempre a liberdade de opção: “Se queres...”(cf. Mt 19,21). Neste encontro com vocês, agradecido, levanto o espírito ao Deus que sempre nos ama e dá conforto e esperança (cf. 2Tess 2,16) e imploro que “a caridade de vocês cresça mais e mais, no conhecimento perfeito e em toda a percepção, para poderem discernir o que é melhor”(Fil 1, 7-8). Não se deixem perturbar, como o jovem do Evangelho. Vale a pena trocar “muitos bens” por “um tesouro no céu”.
Nesta altura não posso deixar de fazer-lhes a cada um em particular o insistente convite que costumo fazer em idênticas circunstâncias a outros jovens possuídos pelo mesmo ideal: ponham-se à escuta do Senhor, o grande Amigo. Ele quer fitá-los nos olhos e falar-lhes ao coração, na intimidade da oração pessoal (cf. Ap 3,20), da oração comunitária (cf. Mt 18,20) ee da Liturgia, pois Ele “está sempre presente na sua Igreja, especialmente nas ações litúrgicas” (Sacrosanctum Concilium, 7). Podem estar certos de que Ele os iluminará e ajudará a descobrir e a amar o sentido e o valor da vocação. E quem sabe se hoje, neste encontro “em seu nome”, Ele não quer dizer a vocês alguns dos seus segredos? Se assim for, “não endureçam os seus corações”(cf. Hb 3,8). Somente na disponibilidade à voz de Deus poderão encontrar a alegria de uma total auto-realização.

Nenhum comentário: